“Ai, Senhora da Abadia
melhora a nossa sorte...”U m ano depois, concluímos esta série de crónicas para assinalar os 200 anos da batalha de
Covelas ou Carvalho d'Este, um momento dramático só comparável ao desastre da Ponte das Barcas no Porto ou à
titânica defesa da ponte de Amarante, dando conta do ambiente que o clero tinha incutido na alma do povo para receber as
tropas de
Soult. Depois do desaire da
primeira invasão, frades e
padres seculares foram os
primeiros a alistar-se em corpos de voluntários e às rendas do Cabido de Braga, destinadas à defesa, juntavam-se listas abertas a donativos e
subscrições públicas em que a participação dos clérigos era saliente. Neste movimento de base religiosa contra os gauleses participaram também os conventos femininos: enquanto as religiosas do Convento de Santa Clara de Vila do Conde enviam a oferta de seis contos de
reis em metal, todas as congregações femininas portuenses não só acodem com donativos como
confeccionaram muitos mi
lhares de mochilas e tudo o mais que se destinava a vestuário dos soldados. No meio deste fervor patriótico e religioso que raiou tantas vezes o apaixonado fanatismo, alguns acabaram por ser vítimas inocentes da sua ambiguidade, provando, mais uma vez, que os conflitos com motivações religiosas não ficam a dever em selvajaria aos conflitos puramente militares. É a retalia
ção do povo aos colaboracionistas, suspeitos ou comprovados, pela intriga ou pela calúnia que enchem as prisões até de inocentes, entre eles alguns padres...
Casos como estes, de falsas denúncias, aconteceram bem perto da Póvoa de La
nhoso, em Guimarães, e em Braga. Os actos de resistência possuíam uma forte componente religiosa, com diversas celebrações, desde procissões a Te
Deum onde eram aclamados os membros da família real e Portugal, em todas as vilas a norte do Douro. Este fervor religioso e patriótico alimentado entre a primeira e a segunda invasão reforça a resistência popular, quando as tropas de
Soult entram pela Galiza, em Portugal, através de Chaves, em direcção a Braga, apesar da
desorganização e falta de armas para que as milícias as pudessem deter. O Deão da Sé de Braga,
Luiz António Carlos Furtado de Mendonça, é um dos exemplos através dos seus sermões proferidos em Braga e em Coimbra, em que são exultados os feitos portugueses na defesa da pátria, sublinhando a heroicidade dos naturais na expulsão de um governo odiado pelo "estendal de crimes cometidos e pela injusta apropriação da liberdade", com
Junot. Este padre nascido no Rio de Janeiro, há-de mostrar-se depois um convicto miguelista até à sua morte em 1832.
Nesta fantástica campanha religiosa se insere a jornada festiva de
Fontarcada, na Póvoa de Lanhoso, a 30 de Outubro de 1808, onde não ficou "um só espectador a quem não rebentassem por várias vezes as lágrimas", como escrevemos na edição de 18 de Dezembro de 2009. Agora se percebe, com tais campanhas, como foi fervo-rosa a tenacidade dos
povoenses e bracarenses na
Batalha de Braga ou do
Carvalho d'Este. A aproximação de
Soult faz estremecer de pânico os
habitantes de Vieira, da Póvoa de Lanhoso, de Braga e do Minho inteiro, onde os sinos tocam a rebate e os clérigos pregam em tom
apocalíptico nos templos pejados de gente. Com a saída de
Soult, os pregadores não viam nos factos senão o milagre
esperado. Na perspectiva
messiância, a nação fora uma vez mais salva e a promessa de Ourique prevalecia. O Portugal católico e
legitimista via a liberdade da Pátria afirmada e o trono mantido na posse do seu rei natural. Repetia-se o que sucedera na época
restauracionista de 1640". Os anos passam e verifica -se que o povo dá ouvidos ao clero quando se trata de combater um invasor e alimentar a resistência patriótica mas esquece-se dos párocos quando os ventos
liberais varrem o território.
Deixara de ser verdade aquela descrição de José
Acúrsio Neves: "um abade, ou mesmo um cura, à
frente do seu povo, valia por um general: as suas ordens eram obedecidas sem réplica".