EDITORIAL

Armindo Veloso




 
Um dia de cada vez

A frase “um dia de cada vez” começa a ser uma expressão vulgar.
Não andarei longe da verdade se disser que esse desabafo tem por detrás de si algo de muito profundo.
Sejam problemas de saúde de quem o profere ou de seus próximos; seja o desaparecimento de pessoas queridas; sejam, ainda, crises materiais que por muito que se diga que o que é preciso é trabalho e saúde, elas moem, e se moem. Sem cheta no bolso ou, pior, sem ela e cheio de dívidas, por muita saúde que se tenha é um drama.
Assim, “um dia de cada vez” vai-nos alimentando a esperança. Há tempos atrás, numa das muitas tertúlias que se vêm e ouvem nas televisões e nas rádios acerca da crise, alguém dizia que se as tão propaladas medidas de austeridade são importantes para o futuro elas destroem-nos o presente.
É uma perspectiva que dá que pensar. Se é certo que devemos preparar o futuro dos nossos vindouros também é certo que devemos lutar por condições dignas no presente. É fácil para muita gente, dentro dos quais me incluo, ter uma redução substancial nos rendimentos mas, ainda assim, ficar com o suficiente para viver com conforto. Já para quem vivia na linha de água uma pequena redução que seja é um drama.
Numa reunião de condomínio há semanas atrás um dos meus colegas de reunião dizia que se deveria reduzir a remuneração da empregada do prédio porque também a ele lhe tinham reduzido o salário. Não aguentei. Como o conheço bem disse-lhe que eu preferia que me tirassem cem em mil do que três em dez. Não me respondeu. Sintomático.
É por isso meus amigos que independentemente de tudo, quando um amigo qualquer, de certa idade, sim porque já os tenho, desanca no governo porque lhe está a ir à reforma, de dois, três, quatro, ou cinco mil euros, vou para casa descansado.
O que não me faz descansar é ver pessoas a trabalhar “de sol a sol” e sentir impotência para não remunerar essa gente como deveria ser remunerada ou até ter de convidar alguns a deixar-nos e negociar à mingua, fruto da escassez de recursos, as indemnizações a que têm direito. Isso sim tira-me o sono.    

Até um dia destes.