Devido à crise

Sapateiros com mais trabalho

Como dizem muitos, o dinheiro faz-se pouco. Com os preços de bens e serviços a subir e os rendimentos mensais a baixar, é necessário encontrar algumas estratégias e adoptar comportamentos de anos atrás para se poupar alguns euros. É na roupa e no calçado que os povoenses vão encontrando forma de poupar algum dinheiro. Há dez anos atrás, o destino de algum calçado seria o lixo. Nos tempos em que estamos, com uma capas e umas solas e um bocadinho de cola, aos quais se junta a graxa, o calçado ganha nova vida para mais um tempo de utilização, impedindo que os seus proprietários os enviem para o lixo e desembolsem dinheiro para a aquisição de novos pares.
O mesmo caso passa-se também na roupa. Do fundo do baú são tiradas as peças que estavam guardadas e depois de uns retoques, e adaptadas ao estilo da actualidade, ficam como novas.
O ‘Maria da Fonte’ foi ao encontro de três profissionais da vila para saber como a tão propalada crise tem influenciado o seu trabalho.

Há 33 anos às voltas com o calçado
Trabalha por conta própria há 33 anos mas trabalha na arte do conserto de calçado desde os 7 anos. Armando Macedo do Vale aprendeu a arte na Sapataria Morais a partir dos 7 anos.
“Fui para a escola primária e gostei da arte. Hoje, talvez não escolheria esta arte. O futuro disto está quase a chegar ao fim. Eu digo o futuro da pessoa que sabe trabalhar de forma artesanal. Desde os sete anos que me lembro de fazer botas com ele para os emigrantes levarem para França. Custavam 270 escudos cada par de botas. Fazíamos botas de pneus”, diz-nos, orgulhoso do seu trabalho.
“Agora, há muitos habilidosos e isso não é arte. Fui para a escola primária e fui logo aprender a arte, mas as pessoas não valorizam isto. Não valorizam a qualidade do trabalho. A vida está difícil para toda a gente e olham para quem faz mais barato. Não prescindo da qualidade. Gosto de fazer bem feito. Tenho bons clientes e clientes do Porto e de Lisboa mas o maior forte são os emigrantes”, afirma Armando Macedo do Vale.
 Sente que há pessoas que levam o calçado a arranjar que anos antes deitavam ao lixo?, questionamos ao que o nosso entrevistado responde que “o  calçado chinês, e falando honestamente, veio tirar qualidade ao conserteiro, porque gosta de trabalhar num artigo bom e fazer as coisas bem feitas”.
“Compram um par de sapatos por dez euros e vêm cá para colar e eu não posso trabalhar de graça, tenho a minha vida. Levo 2,5 euros e eu não engano as pessoas. Quando não compensa, eu digo para deitarem fora. A tendência vai ser muito má se isto não der uma volta”, confessa.
Nos último tempos, nota que as pessoas trazem mais calçado para arranjar que, se calhar, numa outra ocasião deitariam fora e nem trariam para arranjar.
“Não engano ninguém. Digo o valor e as pessoas vêem se compensa arranjar. Ainda agora tiveram esse exemplo. Dois pares de botas baratas que não compensaram o arranjo”, revela.
“O trabalho já não é o que era. Fazem com que percamos trabalho pois compram barato e depois não compensa arranjar. Antigamente, era tudo em pele não havia sintéticos. Hoje em dia, temos que nos sujeitar ao que há”, diz-nos Armando Macedo do Vale.
“Há cerca de 15 anos veio cá a mãe pedir trabalho para o filho. Esteve 3 ou 4 dias e nunca mais apareceu. A partir daí nunca mais apareceu ninguém”, diz-nos, adiantando que a arte artesanal poderá ficar em causa no futuro.

Meio século a trabalhar no calçado
Devem faltar poucos meses para António Manuel Alves Morais completar cinquenta anos como sapateiro, num labor que passou de seu pai.
Sucedeu ao pai no negócio e permanece no centro da vila, no mesmo local onde o seu pai iniciou a arte.
“Fiz a quarta classe e vim para aqui trabalhar. Neste mesmo local. Nunca saí daqui. Vim trabalhar com o meu pai. Mal acabei a escola vim trabalhar para aqui. Esta loja existe há 60 anos. Nas férias grandes da escola já vinha para aqui”, dá-nos a conhecer António Manuel Morais.
“Continuo com muito trabalho. É demais para mim. Antigamente, ainda eu não estava aqui, eram quatro empregados. Agora, sou eu sozinho”, revela.
“Há certas coisas que hoje se faz que há 10 anos não se fazia. Havia mais dinheiro. Colocar solas é um dos exemplos. Há dez anos atrás, deitava-se o calçado fora. Se for uma bota de pele compensa mas se for uma boa sintética não compensa”, explica.
“Trabalho com qualidade e prefiro não fazer se souber que não fica bem. Ou faço em condições ou não faço. Só aceito calçado que compense o conserto e que veja que pode ficar bem. Prefiro dizer que não faço se souber que o trabalho não vai ficar bem feito”, diz peremptório, defendendo um trabalho com qualidade.