Cem anos de República (8)

Maria da Fonte inspira livro
a Camilo Castelo Branco

Recordamos os primeiros momentos do germinar da Revolta da Maria da Fonte em que "muitas mulheres foram dadas como sendo as autoras do despoletar da revolução, portanto muitas Marias da Fonte existiram".
Em consequência, como escreve Oliveira Marques, "o despotismo impudente de Costa Cabral, (...) de levar a violência aos seus últimos limites e de desembaraçar de toda a oposição, resultaram na mais terrível e mais longa guerra civil que se registou entre os liberais".
As expropriações — escreve Victor de Sá na sua obra "A crise do Liberalismo" — “só tinham aproveitado às camadas superiores da burguesia; a famosa lei dos forais permitia que os pequenos proprietários e os rendeiros continuassem a ser submetidos ao pagamento de múltiplas contribuições a senhores e donatários". Os salários agrícolas não acompanhavam o custo de vida causada por uma crise de abastecimento que se sentiu entre 1845 e 1846 — como atestam as "Actas das Vereações" da Câmara de Braga.

UM INÍCIO OBSCURO

Estas situações permitiram a aliança "contra natura" entre miguelistas e liberais contra os cabralistas, numa revolta despoletada em Fontarcada e que se alastra a todo o Norte e Centro do país até Dezembro de 1846.
A morte voltava a ensombrar o Minho, pouco mais de trinta anos depois daquela "imprudente e louca resistência que o povo pretendeu fazer aos franceses nas serras do Carvalho d'Este", a 19 e 20 de Março de 1810.
O início do levantamento popular continua obscuro — na opinião do historiador bracarense Victor de Sá — e geralmente “confunde-se com a descrição de circunstâncias mais ou menos fortuitas que não eram o verdadeiro motivo da insurreição. (...) A verdadeira causa, no entanto, estava no descontentamento que se acumulava contra o sistema capitalista do regime constitucional que, desde a sua instauração, provocara a ruína do pequeno campesinato. (...) As expropriações de bens de mão-morta só tinham aproveitado às camadas superiores da burguesia; a famosa lei dos forais permitia que os pequenos proprietários e os rendeiros continuassem a ser submetidos ao pagamento de múltiplas contribuições a senhores e donatários, mesmo se estes não eram os mesmos de outrora."
A estas imposições juntam-se a baixa dos salários, a evolução dos preços dos produtos alimentares, a insuficiência de colheitas e a crise de abastecimento que se generaliza em toda a Europa. O enterro proibido nas igrejas foi um pretexto que escondeu razões maiores e mais importantes para o dia-a-dia das populações minhotas.

JANEIRO DE 1846

A 20 de Janeiro de 1846 teve lugar na freguesia de Fontarcada, o enterramento de José Joaquim Ribeiro, que no cumprimento da lei devia ser sepultado no adro, visto não haver ainda cemitério. As mulheres, ao saberem disso, reuniram-se a fim de conduzirem o falecido ao mosteiro de Fontarcada e efectuarem o enterro. No dia seguinte ao préstito fúnebre, dispuseram-se as mulheres para a exumação do cadáver, mas o regedor da freguesia, Jerónimo Fernandes de Castro, conseguiu que desistissem.
No dia 5 de Fevereiro, do mesmo ano, registou-se idêntico tumulto. Falecera Maria Joaquina da Silva, que transgredindo a lei foi sepultada no interior do templo.
A manifestação do grupo de mulheres, armadas com chuços, sacholas e forcados, no dia 22 de Março, no funeral de Custódia Teresa, e os insultos por estas perpetrados “Viva a Rainha! Abaixo os Cabrais e as leis novas”, deu origem a uma ordem de captura pelo regedor da freguesia.
Detidas algumas das revoltosas e levadas para a Vila da Póvoa de Lanhoso, logo as restantes, ao que tudo indica mais de 300, armadas de fouces e varapaus deixaram o mosteiro de Fontarcada para livrarem as suas companheiras...