Maria da Fonte

José Sarney e a Revolução

José Sarney, senador e ex-presidente da República do Brasil, escreveu, no passado dia 6 de Fevereiro, no Diário da Manhã de Goiânia, um texto sobre a Revolução da Maria da Fonte. O centenário jornal Maria da Fonte recupera, nesta edição, o texto integral de Sarney.

Da arte de escolher

A revista Serafina, da Folha, me pede para escolher os dez livros que marcaram a minha vida. Dez, só dez! Os livros têm sido meus amigos de todos os momentos, desde que, menino, descobri a Biblioteca do Povo, com livros como A Revolução da Maria da Fonte, que eu li com encantamento e formou uma das heroínas da minhas infância: “No lugar da Fonte, Concelho (sic) da Póvoa do Lanhoso, no coração do Minho, existiu a que foi Joana d’Arc do Setembrismo.”
Depois, não repetirei aqui esta história que já contei tantas vezes, meu pai me deu como marcos da literatura de língua portuguesa Os Sermões do padre António Vieira e Um Estadista do Império, de Joaquim Nabuco, Nabuco falando de Nabuco, como disse Machado de Assis quando o exaltou.
Com o passar dos anos, eles foram se somando. Uns sérios, outros leves, agora a prosa, agora a poesia – que nunca passou minha necessidade de ler e escrever versos, desde que formamos em São Luís do Maranhão nosso grupo literário, com sua revista, A Ilha. A literatura foi a paixão que compartilhei vida afora com esta outra vertente, a da política. Estudante eterno, que passou muitas noites na Biblioteca Pública de São Luís, hoje ainda estudo nos livros que se empilham em minhas bibliotecas, em cada canto da casa, e, companhia na noite, em minha cabeceira. Não sei dormir sem ler.
E agora querem que escolha somente dez livros. Hoje, fazia minha lista e de repente descobri que nela não estava o D. Quixote, esse livro que é o maior livro que já foi escrito, que contém todos os livros, na sabedoria do humor e da análise mais profunda da humanidade, na crista-lização perfeita e imortal de D. Quixote e do Sancho Pança, a sociedade e a civilização, o tempo e a história, a guerra e a paz, a condição humana vista em todas as suas nuances.
Tinha que cortar um livro. Cortei, com dor no coração, o Pedro Páramo, de Juan Rulfo. Encontrei Rulfo em 1969. Reencontrei-o no fim dos anos 1970, numa edição popular do FCE. Já então não se contavam as edições. Senti logo a força do livro. Queria ler mais Rulfo, mas seus contos só li muito depois. Pouco havia – só recentemente surgiu a edição conjunta em português de Pedro Páramo e Chão em Chamas, traduzida por Eric Nepomuceno.
Pedro Páramo é um pequeno livro, 130 páginas. Nelas, com seu poder de síntese, Juan Rulfo nos mergulha no universo do realismo maravilhoso, num romance que é tragédia, poesia, solidão. Pois acabei cortando o Pedro Páramo da minha lista dos dez livros mais importantes de minha vida.
Parafraseando Guimarães Rosa, viver é muito dificultoso.

José Sarney
é ex-presidente da República
e membro da Academia Brasileira de Letras