EDITORIAL

Armindo Veloso




  

Rir e chorar

Quando temos uma doença grave e de todas as doenças graves a que tem um estigma mais agressivo, até na pronúncia, é o cancro, para além do drama que é viver com este bicho dentro de nós – António Lobo Antunes resumiu de uma forma que só ele sabe resumir ao dizer: estou prenho da morte – somos perseguidos por toda uma circunstância que a maioria de nós sem ajudas do foro psicológico dificilmente vive com o mínimo de qualidade de vida.
O facto de vivermos com a doença e com a incerteza que ela provoca torna-nos uns chatos junto dos nossos médicos perguntando e reperguntando coisas já inúmeras vezes perguntadas. Começamos por pedir que as respostas às perguntas mais sensíveis sejam directas e sem o mínimo de evasivas mas quando essas tais respostas não nos agradam vimos embora com um nó cego na cabeça quando não paramos a viagem para chorarmos em qualquer canto. Somos de facto perseguidos de uma forma directa ou indirecta em inúmeras circunstâncias como por exemplo abrirmos o jornal e vermos rostos na necrologia sendo pessoas com quem tínhamos partilhado a sala de espera há semanas ou meses.
Enfim, se não formos fortes e não formos ajudados por especialistas da parte psíquica as dificuldades multiplicam-se e de que maneira.
Não sei porque raio estou para aqui a escrevinhar coisas que me depri-mem, mas, apeteceu-me.
Assim como me apetece partilhar com os meus leitores uma coisa paradoxal com o resto do texto, ou seja, tem um quê de divertido.
Há semanas atrás partilhava uma sala de espera no hospital dia em Braga com inúmeras pessoas. Ao meu lado sentou-se um homem com cerca de setenta anos e colocou na cadeira ao lado dele uma saca. Uma senhora com um ar rural, a reflectir saúde, que não teria mais de sessenta anos, como não havia cadeiras vagas na sala empurrou um pouco a saca do tal senhor para o lado e sentou-se sem dizer uma palavra. O homem, indignado, virou-se para a mulher e disse-lhe: a senhora está a mexer na minha bolsa?! Eu não estou a mexer na sua bolsa, retorquiu-lhe a senhora indignada, só a cheguei para o lado para me sentar. Não lhe ia roubar nada!
Isso é que eu não sei, disse-lhe o homem.
Aí a senhora ruboresceu, levantou-se e dirigindo-se ao homem com o dedo em riste disse-lhe: Olhe, o senhor é um malcriadão e só não lhe dou dois estalos na cara porque o senhor é muito mais velho do que eu. Ai é, então dê, devolveu-lhe  o homem. Mas a senhora já ia de costas terminando aí a contenda.
Esta segunda parte do texto descomprime a primeira. Mesmo num ambiente pesado há sempre peripécias castiças.
Esta fez sorrir muita gente triste.

Até um dia destes.