EDITORIAL

Armindo Veloso




 
Esturro 

Ensinaram-me desde miúdo que a omnipresença era um termo divino. Só Ele era.
Não sei se os meus amigos leitores têm reparado que nos tempos que vivemos é difícil ver alguém com  responsabilidades sociais ou políticas que estejam algum tempo ali. Onde estão fisicamente.
Desde Ministros; Secretários de Estado; Gestores; Presidentes de Câmara; Vereadores, etc, etc, quando estão em cerimónias públicas não passam sem espreitar de quando em vez para o seu telemóvel, smart phone ou ipad.
Há uns meses dividi mesa de almoço com um Presidente de Câmara. Era vê-lo assiduamente com as mãos abaixo do nível do tampo da mesa a responder a sms's e email's com aqui e ali semblantes diferentes  - deduzo que as transformações se devessem ao conteúdo de cada mensagem.
Mais grave ainda, já vi pessoas de grande responsabilidade em conferências, palestras, debates e até conferências de imprensa com a cabeça baixa enfiada num dos tais equipamentos a responder e enviar mensagens estando em todo o lado, menos ali. Onde deveriam estar.
Já repararam onde os tempos modernos, os tais da globalização, nos trouxeram? Isto é lá forma de se viver em sociedade com o mínimo de qualidade de vida?
Mas não são só aqueles. Num restaurante, há dias, estava uma mesa com quatro pessoas que eram certamente pai, mãe, filho e filha. O filho era adolescente e a filha teria entre três e quatro anos.
Durante grande parte do tempo que aquela família coabitou a mesma mesa, espaço de excelência para trocarem saberes, os três mais velhos deixaram a menina perfeitamente isolada, com o olhar perdido no mundo que a rodeava.
Quando se quer fazer estrugido e passar a ferro ao mesmo tempo algum deles se vai queimar.  Ou, quem sabe, os dois.
Não sei porquê mas já me cheira a esturro.

Até um dia destes.