Fuga do rei para Brasil
propaga ideias francesas
A implantação do regime republicano, há cem anos, começou com as invasões francesas que fizeram sangrar o Minho há 200 anos e semearam o terror, destruição e custaram milhares de vidas no Minho. Quatro anos de guerra deixaram o país em situação "miserável" — como escreve o historiador Oliveira Marques na sua História de Portugal ao sublinhar que aquelas invasões devastaram boa parte de Portugal, sobretudo a norte do Tejo. A agricultura, o comércio e a indústria foram profunda- mente afectados, já sem falar das perdas de vidas, das crueldades habituais e das destruições sem conta". A esta primeira das cinco causas que hão-de conduzir mais tarde cem anos à implantação da República, junta-se o saque de franceses e ingleses de um bom número de mosteiros, igrejas, palácios, levando consigo toda a casta de objectos preciosos, incluindo quadros, esculturas, móveis, jóias, livros e manuscritos de incalculável valor. A terceira causa resulta da presença, entre 1808 e 1821, dos ingleses que transformaram este reino numa colónia, enquanto a fuga da família real transformava Portugal numa colónia do Brasil.
BRASIL: DECISIVO
O Brasil fora proclamado Reino, unido a Portugal, cuja Rainha D. Maria I, que morrera em 1816, deixara no poder um D. João VI que não manifestava desejo de regressar a Lisboa. Aqui começa o descrédito da Monarquia da qual nunca mais se vai levantar. Os príncipes revelavam-se mais brasileiros que portugueses, uma vez que o mais velho saíra de Lisboa com apenas nove anos. Começava a germinar, um pouco por todo o país, o descontentamento contra o rei e contra os ingleses que se apoderavam do território, do exército e dos pontos fulcrais do Governo.
A situação económica do povo e da classe burguesa, devastada pelas invasões francesas e pelos pesados tributos aos ingleses, agravava-se sem horizontes positivos à vista. Por toda a parte, havia sinais do fermento da revolução republicana que há-se florir cem anos depois.
LENTA, PORQUÊ?
Perguntar-meão os leitores: porque resistiu tanto tempo a monarquia decrépita ao avanço dos ideais republicanos, num país esvaído e pobre? Com a presença dos ingleses, apenas 40 anos depois da Revolução Francesa começam a despertar os ideais, devido à situação periférica do país em relação à Europa e ao atraso económico, financeiro, técnico, social e cultural do povo.
A onda de inovação não encontrou eco no povo mas apenas em alguns pilares da burguesia comercial dos principais centros urbanos porque o resto do país — com a nobreza e família real no "bem bom" do Brasil — retomava as actividades primárias na agricultura, permanecia no senhorialismo, sob omnipotência e omnipresença da Igreja Católica e do padre sobre as massas camponesas mais ou menos miseráveis e analfabetas. A situação em que vivia o povo é bem descrita pelo bracarense A. Ménici Malheiro, quando diz em letra de forma, um dos grandes republicanos: "Dos arceispos, uns — muito poucos — merecem o nosso respeito, apenas, como homens, pelo que fizeram em benefício de Braga, a outros, que são a grande maioria, unicamente votamos a nossa mais revoltante indignação, pela falta de patriotismo, como Frei Bartolomeu dos Mártires, e pelo muito que fizeram sofrer os nossos pobres antepassados, explorando-os, vexando-os e, o que é mais, conservando-os mergulhados na mais profunda ignorância, para melhor tripudiarem sobre eles". E tanto é assim que o marechal Beresford, além de comandar a vida portuguesa e reorganizar o exército, foi ao ponto de restabelecer a Inquisição e o Juízo de Inconfidência e encheu as prisões de suspeitos da "pedreirada" — maçonaria. As fainas comerciais entre Lisboa e o Brasil levaram algum tempo a reforçar a burguesia como agente político e social contra a monarquia (brasileira) até porque esta ajudava-os a levar a sua vidinha. "Não havia motivos suficientemente fortes para que a burguesia se sentisse muito lesada pela monarquia absolutista" — como assegura Joel Serrão no seu Dicionário de História de Portugal...