Armindo Veloso




  

Dar e receber

Há tempos atrás, numa reunião onde participavam pessoas representantes dos mais diversos afazeres profissionais, disse, num determinado contexto, que ninguém dava nada a ninguém.
‘Caiu o Carmo e a Trindade’. Disse-me um dos intervenientes que eu falasse por mim.
E falo.
De facto, se analisarmos a vida no seu mais ínfimo pormenor, tudo o que fazemos de bem para com o nosso semelhante e, insisto, falo por mim, sem nunca ler nas entrelinhas ou mesmo fora delas, há um interes-se  de retorno declarado, mas não sejamos hipócritas: um bom dia espera sempre um bom dia de volta; um tratamento carinhoso espera sempre algum afecto de volta; um comportamento educado espera sempre um retorno a preceito e até uma esmola a um pobre nos conforta por dentro por termos ajudado alguém que precisa. E esse sentimento, no fundo, é uma recompensa. E foi nesse contexto que eu disse que ninguém dava nada a ninguém.
Longe de mim referir-me a bens materiais porque sobre esses haveria pano para mangas.
Gosto tanto de gostar muito de pessoas com as quais tenho uma relação pessoal, isto é, uma relação intensa como, por exemplo, de paciente/médico, ou paciente/enfermeiro, sem outro interesse que não seja troca de afectos com cada um expressando-os à sua maneira, mas que se sinta nas entrelinhas.
As amizades prolongadas no tempo nem sempre são as que mais nos tocam no nosso 'Eu'. Há algumas, muito mais recentes, que nos emocionam pela dedicação e pela permanente presença.
Um exemplo: um amigo, não muito antigo, mas dos mais amigos, teve uma audiência com o Papa em Roma. Quando chegou a Braga foi a minha casa e entregou-me uma caixinha com um terço benzido pelo Papa e disse-me: “gostava que este terço te acompanhasse por onde quer que fosses”. Fiquei sem palavras e nunca espero retribuir-lhe tamanha prova de amizade.
Até um dia destes.