EDITORIAL

Armindo Veloso



Panos e nódoas
Habituei-me ao longo destas quase duas décadas e meia a admirar o professor Cavaco Silva. Num mundo de ‘invertebrados’, sempre o vi como um homem de carácter e que põe o interesse colectivo à frente do interesse individual ou de facções. Essa admiração fez com que lhe perdoasse, enquanto cidadão eleitor, algumas falhas e algumas opões erradas que foi tendo ao longo do tempo. Uma das características algo antipática mas útil de Cavaco Silva foi sempre dizer só o que quis e quando quis. Até se dizia que a melhor maneira de Cavaco não fazer qualquer coisa era especular sobre ela nos jornais.
Esta personagem, com estas características, teve há dias os seus dois minutos fatais. Querendo, na sua lógica de relógio suíço, falar sobre as remunerações em tempo de crise, disse-o no sítio errado e da forma mais atabalhoada que poderia ter.
Como se pode dizer sem afronta a um povo sufocado com dívidas e com rendimentos baixos que as suas reformas, cerca de sete mil euros líquidos, mal lhe darão para pagar as despesas? Saberá o professor de finanças públicas que as receitas chegarem ou não chegarem depende sempre das despesas que lhe estão associadas? Se tivesse um milhão de euros de despesa mensal seria pouco ganhar outro tanto? O professor Marcelo explicou mais ou menos aquilo que Cavaco Silva quereria dizer mas não disse: que a reforma de professor catedrático, cerca de mil e trezentos euros, é baixa, e é, para quem descontou quarenta anos. O que Cavaco Silva não disse, e deveria ter dito, é o valor do somatório das reformas e não só a de professor.
Francamente não deu para entender. Teria sido um “ataque de senilidade” momentânea ou teremos de parafraseá-lo nos tempos de Mário Soares presidente quando disse que devemos ajudar o senhor presidente a terminar o seu mandato com dignidade?
Até um dia destes.