Editorial

Armindo Veloso



Melros e nós

A maior parte dos meus leitores vivem no campo ou têm essa origem mesmo residindo em pequenos ou médios centros urbanos. Até diria que em Portugal muito pouca gente poderá dizer que as uvas vêm das figueiras...
Uma das sensações mais marcantes que me persegue desde miúdo é o acompanhamento, a par e passo, de um casal de melros desde a primeira raiz colocada num ramo de árvore, hera, ou arbusto, cuidadosamente seleccionado, até ao zarpar dos juvenis pr'a vida.
Quais operários/arquitectos tecem uma obra de arte onde os dois ovos darão origem, a maior parte das vezes, ao mesmo número de crias – depois de um choco centenas de vezes revezado em turnos combinados com minúcia.
Após o nascimento inicia-se um vaivém incansável para alimentar os famintos passarinhos que quase se vêem crescer a olho nu.
Passadas três semanas já o ninho é pequeno para suas majestades. Quando grandes, fortes e bem vestidos, e após uns treinos de batimentos de asas, eis que os dedicadíssimos pais sobrevoam o ninho e repenicam sons acicatando os juniores para irem à vida. Se eles não forem depois de muitos ensinamentos, intensificam a pressão chegando ao ponto de os empurrar ninho fora. Vão trabalhar malandros, parecem dizer.
Os mesmos pais que trabalham durante mais de dois meses incansavelmente para terem os filhotes, são os mesmos que os empurram ninho fora. Duas provas de amor.
Poderíamos extrapolar esta descrição, mais coisa menos coisa, para todo o mundo animal. Todo? Todo não. Exceptuando o que se julga rei: o Homem.
Sendo certo que não foi assim durante quase toda a história da humanidade, nos tempos mais recentes uma boa parte dos filhos ficam em casa pelos trinta acima.
Dantes, um dantes próximo, os jovens faziam-se à vida cedo para obterem liberdade, saindo do “jugo” dos pais, e sexo. Sendo certo que havia muitas crianças nascidas “por obra e graça do Espírito Santo”, o que é certo é que o sexo era determinante para casamentos muitas das vezes precoces.
Hoje, liberdade? Toda! Alimentação? Maravilha! Sexo? “Sempr'abrir”!
Então para que raio os meninos e as meninas de trinta e tal hão-de sair de casa se têm os melhores empregados do mundo: os pais. Chamem-lhes burros...
Que racionais que são os melros.
Até um dia destes.