EDITORIAL

Armindo Veloso



Monstro invisível

Num julgamento, o juiz perguntava ao réu se tinha alguma coisa a dizer em sua defesa. Ao obter uma resposta negativa o juiz advertiu o acusado para a possibilidade de este ir para a cadeia. - É para lá que eu quero ir! Disse o arguido perante o espanto do julgador.
Foi mais ou menos assim que os factos se passaram e o importante é exacto.
Há dias, um americano assaltou um banco mas disse que só queria um euro. Quando foi interrogado declarou que o assalto se devia a questões de saúde. Diagnosticaram-lhe um cancro, mas como não tinha dinheiro para se tratar – na América é possível... - provocou uma situação que o levasse para a cadeia. Aí tratá-lo-iam!
Num mundo louco que vivemos e com tendência a piorar – perdoem-me os leitores por ser ave de mau agoiro mas tenho de dizer o que penso – vamos ter mais casos destes.
As prisões em Portugal, a maior parte delas, ainda têm uma lotação que sendo grande está longe da de outros países, não me consta que ultrapassem o essencial da dignidade e dos direitos humanos. Então, não demorará muito a que pessoas, com a vida num frangalho, optem por serem privadas da liberdade mas terem um tecto, cama, comida e assistência médica quanto baste, do que andarem sem eira nem beira a catar caixotes do lixo.
Uma sociedade que permite que os seus concidadãos em desespero de causa prefiram ir para a cadeia a suportar as agruras do dia-a-dia ou o façam para terem direitos que não têm cá fora é uma sociedade à beira do colapso.
A forma como nos têm governado nas últimas décadas pode vir a desaguar num choque civilizacional de efeitos imprevisíveis.
O “Mercado”, esse monstro sem rosto, provocou o pior que se pode provocar a uma sociedade: deu-lhe droga, leia-se hábitos de consumo, para a tornar dependente deles.
Será o tema para a próxima crónica.

Até um dia destes.