Fundação do Jornal Maria da Fonte

Quando em 1871 José Joaquim Ferreira de Melo e Andrade remete a Camilo Castelo Branco o “esboço” de um Romance que titula de “A Herança de Londres” mas que virá a ser publicado em 2 volumes (1873/1874) sob o título “O Demónio do Ouro”, iniciava-se uma relação que acabaria por revelar-se determinante de muito do futuro de uma Vila e de um Concelho, a Póvoa de Lanhoso.
De facto, após esse momento, as relações de Camilo Castelo Branco e de Ferreira de Mello acabariam por fazer emergir um desejo íntimo daquele que viria a comprovar-se, ser um dos principais protagonistas, e determinantes, da eclosão da Revolta da Maria da Fonte na Póvoa de Lanhoso na Primavera de 1846. José Joaquim Ferreira de Melo e Andrade exerceu as funções de Administrador do Concelho da Póvoa de Lanhoso entre 1841 e 1847, fazendo-o na assumpção de uma perspectiva fundamentalmente política, dando primazia absoluta aos interesses político-partidários sobre os interesses da população, e contra quem se levantam as vozes e os actos das mulheres de Fontarcada que determinariam o início do que ficaria para a História de Portugal como a Revolução da Maria da Fonte.
Será Ferreira de Mello, Cartista convicto, quem faculta a Camilo a sua versão dos acontecimentos da Revolução da Maria da Fonte, como aliás expressa numa carta que lhe dirige, a acompanhar os documentos, datada de Março de 1874, quase em simultâneo com a publicação de “O Demónio do Ouro”...

O Livro de Camilo Castelo Branco

A publicação do livro de Camilo Castelo Branco “A Maria da Fonte”, mais um trabalho ensaístico do autor do que propriamente Romance, acontece em res-posta ao Livro “Apontamentos para a História da Revolução do Minho em 1846 ou da Maria da Fonte”, do Pe. Casimiro José Vieira, publicado com data de 1883… pela Typographia Lusitana de Braga.
De facto, “A Maria da Fonte” de Camilo Castelo Branco não se trata de um romance histórico, sequer de um romance, assumindo dar à estampa a versão dos acontecimentos de José Joaquim Ferreira de Mello e Andrade, um também seu correligionário político. Neste relato, adoptado por Camilo Castelo Branco como a versão mais autêntica dos acontecimentos, publica textualmente a versão que 11 anos antes Ferreira de Melo lhe remetera, e no qual opta por não mexer, transpondo ipsis verbis, talvez por Ferreira de Mello ter já falecido 4 anos antes (1881).
No discorrer das suas interpretações, de muitos dos factos da Re-volução, Camilo vai procurar res-ponder a diversos “interlocutores”; para além do Pe. Casimiro José Vieira, a muitos dos seus adversários políticos, de Almeida Garrett a Oliveira Martins… contribuindo muito vivamente para a mitificação da figura da Maria da Fonte, a Amazona de Ferreira de Mello, de tamancos para os herdeiros da versão “camiliana”, o que provocará uma forte reacção das gentes da Póvoa de Lanhoso, agora já não com foices e roçadoiras... ou de clavina em riste…
Sabendo-se do alcance da obra de Camilo, mesmo em pleno séc. XIX, o que poderiam as gentes ou a comunidade da Póvoa de Lanhoso fazer em defesa do seu bom nome e dos actos heróicos das suas mulheres…? Como poderia uma comunidade repor a sua verdade se tinha sido um dos seus (Ferreira de Mello) a facultar uma visão política dos acontecimentos, ainda que um personagem suspeito no que respeita a isenção…? Como poderia a Póvoa de Lanhoso recolocar as palavras de Ferreira de Mello, que chegam mesmo a ser insultuosas e não apenas para com as mulheres da Póvoa de Lanhoso, afinal “o rodeiro dos engeitados da Póvoa”, de uma das suas figuras e cujos descendentes continuavam a ser referência social na mesma Póvoa de Lanhoso...

A “Maria da Fonte”
na Póvoa de Lanhoso


Não obstante os ecos deste relato não terem sido os desejados, o mesmo será objecto de sucessivas reedições nas páginas dos jornais e em textos de autores locais embora apenas documentalmente confirmados 110 anos depois (em 1996) com a publicação do trabalho de José Viriato Capela e Rogério Borralheiro “A Maria da Fonte na Póvoa de Lanhoso – Novos Documentos para a Sua História” que valida a informação “oral” veiculada ao longo de mais de um século pelo jornal e recolocando muitas das questões em torno da historiografia da Revolução de 1846.
Após 03 de Janeiro de 1886 e até aos nossos dias, 125 anos volvidos, com muito poucas e muito curtas interrupções, o jornal e o título “Maria da Fonte”, entram em casa dos Povoenses, sedimentando e solidificando a ligação, que se torna “umbilical”, da Póvoa de Lanhoso aos feitos de 1846...

Refundação (1895?)
Apesar de não termos acesso à totalidade dos números do Jornal destes primeiros anos de existência, é possível conferirmos a sua continuidade após o primeiro número de 03.01.1886, referindo-se, em data de 01.04.1888 o número 118, e em 25.12.1888 o seu número 156 (no terceiro ano de publicação), o que garante uma plena continuidade, com 52 números por ano (Biblioteca Nacional). Ou no ano de 1890 o seu número 250 (em 12 de Outubro).
A partir de 1895 existe no Arquivo do próprio Jornal uma série quase completa da colecção, remetendo-nos, curiosamente, o ano de 1895 não para o suposto ano 9.º mas para o seu ano 5.º, o que faz pressupor, uma pausa na sua publicação ou nos remeteria para, uma “refundação” no ano de 1895...

Regularidade de publicação
Como percebemos, falamos apenas da 2.ª série do jornal, cuja datação se terá iniciado em 1890, embora a sua edição venha já desde 03 de Janeiro de 1886.
É, de facto, a partir da contagem encontrada em 1895 que o futuro do jornal é feito… pese embora seja reduzida em 4 anos. Nesta contagem, chegamos a 1925 com o número 1538 (03 de Maio). Estes números tornam clara a invulgar regularidade da edição do jornal, com cerca de 50 números anuais editados ao longo de 31 anos.
A 15 de Maio de 1927 inicia-se nova série, depois de alcançado o número 100...