EDITORIAL


Armindo Veloso




Deus não dorme

Não estou habilitado a opinar profundamente acerca da obra literária de José Saramago.
A Academia atribuiu-lhe o Nobel e, mesmo sabendo que todas as academias são influenciáveis pelas aragens do momento, quem sou eu para o contestar?
Na sua morte, madura, serena e rodeado de amigos e familiares — Deus(!) não dorme..., quem não gostaria de morrer aos 88 anos, quase feitos, desta forma? —, Saramago partiu.
Não levou as palavras todas, como escreveu um seu amigo, mas levou muitas.
As instituições reagiram, umas com sinceridade outras com oportunismo; muitas pessoas reagiram, umas com sinceridade outras com oportunismo.
Houve um caso sobre o qual me quero alongar. Refiro-me à presidência da República.
Vejamos: o Presidente fez, quanto a mim, rigorosamente aquilo que devia fazer. Enviou um comunicado da presidência da República aos familiares dando-lhes as condolências frisando neste a grande perda cultural que Portugal acabava de ter.
Não faltaram “carpideiras” a dizer que a atitude do Presidente da República é uma mesquinhice e que ele deveria comparecer no funeral. Pergunto eu, se ele fosse, os mesmos não lhe chamariam hipócrita, e não diriam que a atitude estava ligada à proximidade das presidenciais? Não tenho grandes dúvidas na resposta.
É normal só se dizer bem das pessoas que partem. Pela minha parte, lembrarei Saramago como um grande escritor e único Nobel nesta área, mas não esquecerei duas facetas: uma, quando disse que enquanto Cavaco fosse Presidente da República não participava em cerimónias oficiais em Portugal – por muito mal tratado que tenha sido por um sub-secretário de Estado de um governo de Cavaco Silva aquando do episódio “Evangelho Segundo Jesus Cristo” não é motivo para tal declaração —; outra, quando disse que Portugal deveria ser mais uma região de Espanha como é a Galiza ou a Andaluzia.
Nenhum amor a uma espanhola e a Lanzarote justifica esta afirmação. Mesmo que o pensasse, na condição dele não o devia ter dito.
Cavaco, como Presidente de Portugal, fez o que devia ter feito.
Até um dia destes.