Um pouco de história
“5 de Setembro”, dia do reconhecimento
Nos inícios do século XX, fruto do empenho de um conjunto de “brasileiros” tocados pelo vírus da benemerência, o concelho da Póvoa de Lanhoso começou a receber algumas obras de grande interesse comunitário entre as quais se contavam a construção de várias estradas, a edificação de escolas e igrejas ou o arranjo de espaços públicos.
De um grupo de cerca de duas dezenas de ex-emigrantes no Brasil que, um pouco por todo o concelho, investiram dinheiros próprios em favor de todos, e dentre os quais se destacaram especialmente Barbosa Castro, Pereira Pires, Domingos do Vale, João António de Matos, os viscondes de Taíde e de Porto d’Ave ou Francisco Antunes de Oliveira Guimarães, tomou especial importância António Ferreira Lopes, astro maior da benemerência concelhia, sempre apoiado e animado pelo coração magnânimo de sua esposa, D. Elvira de Pontes Câmara Lopes.
Riquíssimo e sem filhos, este casal deu-se ao bem-fazer, dotando a terra de uma casa de espectáculos, de um bairro para operários, de prémios escolares, de um jardim público, de estradas, de muito dinheiro para a modernização de estruturas municipais, à sustentação de uma banda musical, à protecção de dezenas e dezenas de famílias pobres e à criação de prémios escolares, merecendo destaque o legado que, após a morte de António Lopes, em 1927, possibilitou a construção da escola primária da vila, da estrada de acesso ao monte do Pilar e do edifício dos paços do concelho. Pelo meio, não podemos esquecer as suas obras maiores: a fundação de um hospital, em 1917, e a criação da Corporação dos Bombeiros Voluntários da Póvoa de Lanhoso, em 1904-1905. Afinal, as duas instituições que, desde há muitas décadas a esta parte, fazem do dia 5 de Setembro de cada ano o dia do reconhecimento da obra desse casal ímpar na história da terra.
Corporações de Bombeiros existiam já em vários concelhos vizinhos, criadas nos finais do século XIX. Nessa mesma altura, lamentava-se no jornal “Maria da Fonte” que as elites concelhias se não interessassem também pela fundação de um corpo de bombeiros na vila da Póvoa pois, alegava o autor da prosa, os fogos urbanos deviam ser combatidos por quem estivesse preparado para tal e não, como ia acontecendo, por magotes de populares que, apesar de toda a boa vontade, estragavam por vezes mais que o próprio fogo.
Por isso, quando a meio do primeiro lustro do século XX António Lopes decidiu investir parte da sua fortuna para dotar a Póvoa de uma casa de espectáculos (o Theatro Club), destinou o rés-do-chão do edifício à instalação de “uma casa da bomba”. Do seu bolso pagou os materiais necessários ao funcionamento, os fardamentos e os veículos de tracção animal, tendo a parte operacional ficado sob a responsabilidade de seu irmão Emílio António, que foi o primeiro comandante. Os bombeiros começaram, pois, o seu percurso formativo em1904, estando já presentes na festa de inauguração do Theatro Club em 1905.
A corporação desenvolveu desde logo um trabalho meritório, mas, aos poucos, a falta de interesse de alguns levou a que esfriassem os ânimos. Em 1911, por falta de voluntários e de vontade das elites, estava o corpo inactivo pelo que, no ano seguinte, ainda com dinheiro de António Lopes, foi a mesmo refundada. Henrique Rocha e Júlio Celestino foram encarregados de, enquanto comandantes, instruir os novos recrutas, ao passo que novos estatutos foram redigidos por um grupo de homens da terra, entre os quais se encontravam José Cândido Sampaio Rebelo, João da Silva Mouta, João Bastos e João António Vieira Antunes, entre outros.
Esta de 1912 não foi a única crise dos bombeiros da Póvoa. Mas foi, talvez, a mais importante, a ponto de, em vários documentos oficiais, nomeadamente em ofícios da administração do concelho, a fundação da corporação povoense ser dada como tendo acontecido neste ano.
Os bombeiros da Póvoa ultrapassaram sempre todas as crises. E a corporação foi-se afirmando como uma das mais importantes e queridas as-sociações de raiz local, e conquistando, em simulacros realizados um pouco em todo o norte do país, como uma das melhor preparadas para desempenho do seu míster.
Ao seu serviço, como soldados da paz, como dirigentes e como elementos de comando passaram, ao longo deste mais de um século de existência, centenas e centenas de homens e de mulheres que sempre deram o melhor de si para que a corporação a todos pudesse servir com as necessárias condições: homens e mulheres – os do passado e os do presente – que merecem um muito obrigado de todos os povoenses porque, mantendo viva a corporação, permitem a todos nós uma maior segurança: há sempre do outro lado do telefone uma voz que não pergunta a que partido, religião ou “raça” pertencemos quando lhes ligamos a pedir ajuda.
Obrigado, bombeiros. E parabéns pela comemoração de mais um “5 de Setembro”.
António Lopes, o grande benemérito povoense, nasceu no actual lugar de Pomarelho, vila da Póvoa de Lanhoso, em 16 de Abril de 1845. Emigrou para o Brasil ainda menino onde, no sector do comércio dos cereais, dos couros e especialmente no dos cafés, fez fortuna. Voltou a Portugal em 1888, riquíssimo, dando então início a uma obra de benemerência que marcou a sua terra para sempre. Sua esposa, D. Elvira Câmara Lopes, nasceu no Porto em 5 de Setembro de 1856. Pelo amor que votava a sua mulher, António Lopes escolhia sempre que possível este dia para as inaugurações das obras feitas na terra, homenageando assim aquela que foi a sua companheira de uma vida. Por isso se continua hoje, e bem, a comemorar o 5 de Setembro como o dia das duas instituições maiores que António Lopes criou nesta terra – os Bombeiros e a Misericórdia.  
 *Historiador