A entrevista que faltava
ao jornal Maria da Fonte
“Lá raiou a liberdade / Que a nação há-de aditar
Glória ao Minho que primeiro/ O seu grito fez soar.
Entramos a cantar este hino, mas o velhinho jornal Maria da Fonte não queria acreditar que também estávamos a falar dele… mas estávamos, como se vai ver nesta entrevista que imaginamos o actual director a fazer ao jornal Maria da Fonte.
Director – Vou utilizar uma frase da publicidade – não se zanga, pois não? Podemos saber o que se passou ao longo de 125 anos na Póvoa de Lanhoso, mas sem o ler a si não é a mesma coisa, pois não?
Maria da Fonte - Não me elogiem muito. Sou tão novinho ainda. Querem que lhes diga uma coisa. Eu nem vi nascer esses dois grandes povoenses, António Lopes (de nascimento) e D. Elvira Câmara (por adopção). Têm mais 41 anos que eu. Ele nasceu em Fonte Arcada e o meu nome é uma valorosa mulher daquela terra, segundo dizem alguns cronistas. Eu também não a conheci porque ela foi famosa uns quarante anos antes de eu nascer.
D – Mas pode gabar-se de ter narrado as grandes obras com que o senhor António Lopes e a sua piedosíssima esposa brindaram esta vila que tanto honra com o seu nome.
MF – (neste momento, puxou dos seus galões e sentou-se em ângulo recto, antes de responder). Desculpe se falhar alguns números, mas eu acho que já gatinhava – teria uns dois anos – quando o António Lopes (desculpe tratá-lo assim) regressa à nossa querida terra, em 1888. Eu fiquei de boca aberta e meus pais escreveram isso: o António começa por comprar o prédio conhecido por Casas Novas, que mandou reconstruir. A D. Elvira gostou da ideia e disse-lhe para comprar os edifícios à volta do Largo da Fonte. Mais tarde fui um dos que defendeu que o nome do Largo da Fonte (sem desprezo pela nossa Maria) devia ficar Largo António Lopes. Foi aí que o casal construiu, o Theatro Club e os Bombeiros Voluntários. O Theatro Clube continua a ser meu vizinho e os Bombeiros Voluntários sonharam e conseguiram ter uma casa ampla e nova, por obra de outro grande povoense, mas deste ainda todos se lembram. Às tantas não, porque a inveja corrói a memória, não é meu caro…
D – Não seja tão pessimista, meu amigo…
MF – Deixe-me acabar, se faz favor… Em 1913 começa as obras para a construção do Hospital, mas aqui a culpa, desculpe a expressão, é da D. Elvira, que gostava de prestar serviços de saúde a pessoas social e economicamente desfavorecidas. Olhe, foi a precursora do Arnaut, nos tempos da democracia, após o 25 de Abril que também acompanhei com grande honra. As obras terminaram em 1917, ficando esta como a sua obra mais marcante.
D – Porquê?
MF – Porque foi a partir do hospital – com cuidados de saúde para os pobres – que surgiu a ideia de criar a maior instituição que hoje a Póvoa possui: a Santa Casa da Misericórdia da Povoa de Lanhoso. Foi de sua vontade, deixada em testamento, que uma associação assegurasse o seu funcionamento e, um ano depois de sua morte, seus sobrinhos Arlindo Lopes e João Bastos, com amigos, fundaram a Santa Casa a 22 Dezembro de 1928 (exactamente um ano depois de sua morte) . Como me lembro tão bem desse dia! Nessa altura, eu já tinha os meus 32 anos.
D – Estava a atingir a idade de Cristo. Mas outros momentos se passaram até esse dia…
MF – Disse aquela data porque coincide mais ou menos com a invasão de Lisboa pelo marechal de Braga, dois anos anos e nos meteu numa camisa de sete varas, ao ponto de começar a pensar em entregar a alma ao céu. Era muito difícil para mim, viver nesse tempo, com padres na política e políticos na sacristia.
Valeram-me outras forças vivas, como o Theatro Club, criado em 1904 (acho que sim), onde me divertia à grande, ocupando as minhas páginas com o teatro de amadores e as revistas, bem como os espectáculos de música. Com os colaboradores das freguesias, um acidente aqui e um emigrante ali, lá me ia aguentando, sem me meter em grandes alhadas. Olha que havia várias famílias que sobreviviam comigo e com as minhas oficinas.
D – Mas você era um “doentinho” pelo futebol do “Maria”…
MF – Ainda sou, embora do alto dos meus 125 anos, aqueles rapazes podiam ter guardado algumas gló-rias anteriores para este ano 2011. Seria ouro sobre azul, mas eu não tenho razões de queixa destes oitenta e cinco anos de vida do “Maria”.
Aliás, a prenda melhor que eu recebi foi na celebração dos 75 anos do Maria da Fonte. Em 2001, o prof. José Bento Silva prestou-me a me-lhor homenagem: colocou as minhas notícias sobre a Póvoa de Lanhoso, em paralelo com os momentos maiores da vida do Sport Clube Maria da Fonte.
Nessa noite, quando o livro foi apresentado na Casa da Botica, chorei de tanta alegria, por ser seleccionado para “jogar” com o “Maria” em tantas alegrias e tristezas, amarguras e esperanças, triunfos e derrotas dos povoenses...