EDITORIAL

Armindo Veloso




SONHO LINDO

Normalmente as conversas entre adultos e jovens, mesmo que sejam filhos, andam à volta de temas como os estudos; coisas da vida corrente; desporto – noventa por cento futebol, claro – ou internet e afins.
Raramente há uma conversa acerca de temas clássicos, como, por exemplo, a evolução dos povos na sua vertente mais económica com todas as suas consequências na qualidade de vida de cada um de nós.
Julgo que os jovens que têm hoje cerca de vinte anos foram ‘formatados’ num ambiente que estão a ver acabar a passos largos.
Quando começaram a ter consciência plena do que os rodeia, lá por volta dos cinco anos, depararam com um mundo que se resume mais ou menos a isto: É preciso dinheiro? Os papás vão à parede, leia-se multibanco, que a maquineta dá!; a casa está velha ou é pequena e não tem jacuzi? Os papás vão ao banco que ele empresta e, com jeitinho, o nosso gerente de conta até faz com que sobre para o popó novo!; queremos ir para férias? O banco empresta ou a agência de viagens espera pelas prestações!; a mãe e o pai dizem que cozinhar dá trabalho? Para quê cozinhar se há comida pronta e a levam a casa?!; a casa tem seis compartimentos? Claro que é preciso seis televisões, ora essa!; quantos somos em casa? Quatro, temos de ter quatro telemóveis, só faltava não ter!; dinheiro para estudar? Não é preciso, o Estado paga tudo!; dinheiro para a saúde? Para quê, os hospitais fazem tudo de borla!
Em síntese, viveram um sonho lindo.
O problema é que agora com vinte ou vinte e tal anos, começam a constatar que esse regabofe de ilusões não passou de um parêntesis, de duas décadas, na história.
Retirando o consumismo desenfreado e irresponsável dos primeiros exemplos com que ilustrei esta crónica, foco-me nos dois últimos que me reportam para o chamado estado social.
Há algum estado social, como o conhecemos, que aguente uma sociedade cada vez mais envelhecida com todas as consequências que daí resultam desde as reformas até aos encargos com a saúde?
Infelizmente para mim e para o tal estado social, uma vez que lhe dou muita despesa, tenho um conhecimento bastante bom dos hospitais públicos. O director dos serviços da especialidade que frequento com regularidade disse-me em certa consulta que os utentes dos hospitais públicos, uma vez que não pagam, deveriam levar na mesma a conta só para terem consciência do gasto que deram à comunidade. Seria uma forma de os sensibilizar.
Obviamente que todos nós gostaríamos de ter tudo de graça principalmente nos sectores da saúde e educação. Mas, é possível? Não é. Então, que justiça social é esta que tanto paga o rico como o pobre?
Este mundo está cheio de Lilis Caneças e Castelos Brancos que pagam milhões por esticar a pele, e não só, em clínicas privadas e, quando a coisa é a sério, vão para o hospital público onde “jorra leite e mel”.
É este o Estado Social que alguns, mesmo sabendo que ele desta forma estoura, continuam a defender? A não ser que só digam da boca para fora que se preocupam com as gerações futuras.

Até um dia destes.